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Sep 02, 2023

Trolls, propaganda e medo alimentam a máquina de mídia de Bukele em El Salvador

O presidente Nayib Bukele construiu um rolo compressor de comunicações em El Salvador. Seu mecanismo: trolls pagos da Internet cujos ataques online estão colocando em risco jornalistas e oponentes políticos

Por SARAH KINOSIAN

Arquivado em 29 de novembro de 2022, 13h GMT

SÃO SALVADOR

Um salvadorenho de vinte e poucos anos estava procurando trabalho quando um convite inesperado chegou para sentar-se com um funcionário do governo.

Era 2019 e o especialista em comunicação era versado em mídias sociais. As conversas com o funcionário resultaram em um emprego de US$ 600 por mês na capital, San Salvador, trabalhando para a equipe de comunicação do presidente Nayib Bukele, de acordo com o contrato de trabalho visto pela Reuters. Era um dinheiro decente nesta pobre nação da América Central.

"Eu não sabia quando assinei o contrato, mas fiz um pacto com o diabo", disse o especialista em comunicação. "Eu me tornei um troll pró-Bukele."

Bukele, fundador do incipiente partido Nuevas Ideas, acabara de ganhar a presidência aos 37 anos de forma esmagadora. Os eleitores jovens, em particular, ficaram encantados com seu uso inteligente das mídias sociais. Foi uma vitrine para sua persona cuidadosamente trabalhada como um dissidente em um boné de beisebol virado para trás. Bukele prometeu reprimir duramente as gangues criminosas violentas e a corrupção e combater os interesses arraigados.

"Eu não sabia quando assinei o contrato, mas fiz um pacto com o diabo. Tornei-me um troll pró-Bukele."

É aí que entram os influenciadores experientes em tecnologia contratados pelo governo. A Reuters conversou com três ex-empreiteiros que disseram fazer parte de "fazendas de trolls" secretas encarregadas de manipular o discurso político de El Salvador. Parte do trabalho deles era atrair apoiadores fictícios de Bukele nas mídias sociais para elogiar suas políticas, disse o especialista em comunicação. O outro lado envolveu insultar os críticos do presidente e registrar reclamações sobre suas postagens em plataformas com o objetivo de fechar suas contas.

Os três disseram que seu trabalho era supervisionado diretamente por funcionários do governo e, em alguns casos, realizados em prédios do governo.

Dois desses funcionários contratados, incluindo o especialista em comunicação, disseram que assinaram acordos de confidencialidade. O acordo do especialista em comunicação, visto pela Reuters, ameaça processo e pena de prisão de até seis anos por falar à imprensa ou a outros partidos políticos sobre esse trabalho.

Nenhum dos três ainda está empregado no grupo. Falando sob condição de anonimato, eles pediram que informações detalhadas sobre seu emprego fossem omitidas por medo de represálias.

O secretário de comunicações de Bukele não respondeu aos pedidos de comentários sobre as operações dos trolls.

Esses trabalhadores eram engrenagens no que se tornou uma poderosa operação de comunicação que permitiu a Bukele influenciar o que os salvadorenhos leem, assistem e ouvem sobre seu governo como nenhum líder anterior desta pequena nação de 6,5 milhões de pessoas na era da internet.

A chave para esse esforço são dezenas de trabalhadores pagos de mídia social com centenas de contas anônimas e bots, um megafone usado para amplificar as mensagens do presidente e ridicularizar oponentes e jornalistas vistos como hostis ao seu governo, disseram os indivíduos entrevistados pela Reuters.

A administração de Bukele também reforçou os recursos para os meios de comunicação estatais tradicionais, que transmitem um fluxo constante de conteúdo pró-Bukele via mídia impressa, televisão e rádio. A mídia governamental agora está entre as fontes de maior confiança dos salvadorenhos, de acordo com um estudo de maio de 2022 da Universidade privada Francisco Gavidia, em San Salvador.

O presidente também se tornou um porteiro, divulgando algumas das principais políticas do governo por meio de sua conta no Twitter. Enquanto isso, seu governo selou dados que antes estavam disponíveis ao público, incluindo contagens de pessoas desaparecidas e corpos em valas comuns, um sinal revelador de execuções de gangues. Grupos de direitos humanos e famílias de vítimas afirmam que essa é uma maneira de fazer com que as estatísticas criminais pareçam melhores do que realmente são. A Procuradoria-Geral da República defendeu essa ação como forma de proteger as investigações de possíveis interferências de organizações criminosas.

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